terça-feira, abril 18, 2006

don'ana - continuação

chuviscava e faltavam-lhe ainda três doentes para visitar. Eram quatro da tarde e se não houvesse imprevistos iria chegar a tempo da sessão de autógrafos de Paulo Coelho, levava já na mala o seu último livro ,"Zahir", rabiscado e sublinhado por uma caligrafia cuidada que tinha o cuidado de ligar todas as letras entre si ... " Nuno Alves ofereço-te este pedaço de folhas para divagares ... percorreres pensamentos ... descobrires mundos imaginários mas acima de tudo para que te entranhes por entre as tuas memórias, actos, estórias ... para que mergulhes nesse teu pântano onde cidades destruídas cheias de ruas desertas mostram o seu Horror ... encontra a porta certa, segue o cheiro da putrefacção e deita fora os cadáveres, planta jardins, ouve o choro da criança ... põe-na a sorrir e dá-lhe uma família, consola a viúva e dá-lhe a felicidade como companhia, abre cafés e restaurantes cada um com seu ambiente particular podes até construir aquele pub com música cuja melodia soturna anos 20/30 irá iluminar a calçada para quem passa ... " por esta altura Mara estava já sentada num café onde entrara, boquiaberta sem perceber o que lhe tinha acontecido, pediu um carioca, tirou os óculos de sol côr púrpura que lhe permitiam ter uma visão mais bonita da cinzentona Guimarães e continuou a ler por entre o fumo do cigarro ... " ... aos mendigos da rua torna o seu choro em fado, em tango, em ritmo e melodia para que seja suportável e interiorizada a dor humana mas dá-lhes camas de estrelas para sonharem. Destrói tudo o que não fôr natural ou que não seja instrumento necessário para te alimentares e saciares a tua sede. Distribui tudo o que seja livros e cultura pelos jardins mas retira a capacidade comunicativa oral para que não falem e ajam mais. Lembra-te este é o teu mundo ... que te foi oferecido para fazeres dele o quiseres porém no fim da tua vida terás que devolver contas a ti e só a ti deves permanecer fiel. Beijos Iara.".
Nuno Alves era um jovem acamado que Mara visitava três dias por semana para mudar pensos de feridas resultantes do facto de permanecer bastante tempo deitado. Havia sofrido um acidente de mota, era tudo o que sabia e ficara paraplégico. O acidente fora já há alguns anos e agora pedia-lhe para levar aquele livro, certamente devido à dedicatória, a Paulo Coelho para que pudesse ser autografado. Aceitara o pedido sem aceitar contudo o dinheiro que ele insistira em dar-lhe, Mara era assim ... gostava dele e via-lhe de tempos a tempos um brilhozinho na alma sempre que terminava de ler um livro que gostara,tornando-se mais falador e bem-disposto.
Estava agora a beber um bongo de tutti-fruti, sabor que lhe recordava a infância, as férias nas praias de Setúbal com a família. Pensou em comer um crepe mas achou-os demasiado caros e acendeu um cigarro para distraír a fome. Olhou para o lado e viu três Homens que decididamente haviam fumado um charro, dado os seus movimentos lentos e trapalhões ... falavam alto e podia perceber que não eram da cidade, vinham de Vila Real ... porventura iriam à sessão de autógrafos e depois pediriam instruções para o castelo, acto típico de um estrangeiro em Guimarães, maldito Afonso Henriques que nos verões inundava a cidade de turistas loiros, velhos, cuja língua ignorava...
Viu-os levantarem-se trôpegamente e começarem a andar em direcção à Bertrand...

1 Comments:

At abril 27, 2006 1:55 da tarde, Blogger kyler said...

quase perfeito. não gosto da filmaria das estórias

 

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